Entre duas vistas


Por: Maisa Antunes
A partir das entrevistas coloco-me diante de Duarte e de Cesário como alguém que quer desaprender o sentido da arte-educação e como uma curiosa que quer não descortinar o véu da arte, nem esgotar a compreensão dos descaminhos da educação, mas como uma menina que quer brincar, aprender e desaprender quando as coisas aprendidas estiverem sufocando. Quero educar-me e deseducar-me para poder romper com os regulamentos quando estes regularem demais. Aqui recordo-me de uma passagem do livro de Rubem Alves “A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir” ao falar da Escola da Ponte, ele inicia uma de suas crônicas nos contando sobre os mestres Zen. Rubem diz que esses educadores eram educadores estranhos, uma vez que não pretendiam ensinar, estes desejavam era desensinar. Avaliações de aprendizagem para estes mestres, nem pensar. Mas estavam constantemente avaliando a desaprendizagem dos seus discípulos. Eles se interessavam mesmo era pela desaprendizagem, quando esta acontecia, riam de felicidade.  
Tenho compartilhado com os estudantes os poetas que gosto. E mesmo intuitivamente sabendo que a arte diz o indizível, que fala da realidade fugindo dela, Nietzsche: “nenhum artista tolera o real”. Sou capaz de apreender as palavras que os poetas me dizem com suas poesias em versos, imagens, pinturas, esculturas...
Há experiências belas acontecendo, há lugares habitados de sentimentos desenhados por crianças e adolescentes, que com fome e sede de beleza, se entregam à dança, ao teatro e à música... Compondo cenários íntimos e lúdicos. São espaços de encontros não-formais que vão na contramão da lógica da educação formal.
A arte nos possibilita encontrarmo-nos? Ou perdermo-nos em nosso próprio caminho? Como Duarte, acredito na possibilidade de uma educação menos adestradora, que verdadeiramente perceba outras dimensões do ser humano, não apenas a razão, perceba outros canais de apreensão do mundo como bem faz Cesário, com a intuição, a estética e a imaginação. Também sou provocada por Rubem Alves quando diz no prefácio de “Fundamentos Estéticos da Educação”, que a educação na perspectiva da estética é uma causa possivelmente derrotada, uma vez que esta, pensada a partir da beleza “equivale afirmar que o poeta e músico são mais importantes que o banqueiro e o fabricante de armas”.
Se esses diálogos não iluminarem a nossa razão que ao menos nos desvele a desrazão, o “acriançamento das palavras” como diria Manoel de Barros.
Brinquemos então.   

Entrevista com Maisa Antunes


 Por Emiliana Carvalho
No “front” da ideia
De entrevistadora a entrevistada. A pedagoga e professora Maisa Antunes, mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia se acomodou na poltrona e, com total franqueza e convicção, tomou a frente para se colocar na mesma posição em que estiveram seus entrevistados, o arte-educador Duarte Jr. e o filotógrafo (filósofo-fotógrafo) Marcos Cesário, no contraponto de ideias e reflexões impressas no livro de sua autoria: A Arte e a Educação.
A obra promete movimentar as bases enraizadas do conceito Arte-Educação. Maisa Antunes, no diálogo que segue, expõe sentimentos em forma de reflexões.

E.C.– Como surgiu a ideia de colocar frente a frente dois temas que as pessoas comumente julgam como não-controversos?

Maisa AntunesJustamente as controvérsias. Sou professora há algum tempo. Em minha experiência com o ensino fundamental atuei com a disciplina Educação Artística. No ensino superior, coloco-me diante do componente curricular Arte-Educação, assim denominado pela influência, principalmente, de Herbert Read, Mae Barbosa e Duarte Júnior. É na atuação com esse componente e no contato direto com alguns artistas que nasce a inquietação e, com ela, a ideia de pensar e olhar de perto a Arte e a Educação.

E.C. – Você é pedagoga, professora universitária e engajada em projetos de cunho artístico. A Arte e a Educação têm muito a ver com suas experiências?

Maisa Antunes Sim. Claro que tem. Os projetos artísticos e o contato com poetas-escritores levaram-me irreversivelmente para perto da Arte, da Poesia. O contato com biografias de artistas e o sabor intenso do temperamento desses homens e mulheres que entregaram-se ao engajamento instintivo, mostra-nos o que nos tornamos: incapazes de contemplar e ver.
Nos cursos de formação de Pedagogia que tenho trabalhado, comecei a solicitar dos estudantes – alguns, já atuam como professores do ensino fundamental - que me relatassem suas experiências com a contemplação artística. Foi então que me surpreendi com os relatos de professores de Arte-Educação que afirmavam - usando a livre expressão com desenhos, colagens e outras técnicas - acreditarem estar formando artistas e que o resultado dessas produções se tratavam de Arte.
Outra questão importante: a convivência com artistas me possibilitou entender que a Arte não é um meio para tornar a convivência do indivíduo melhor com a sociedade. Pode até ser o contrário, já que um número significativo deles não encontra liberdade dentro de um jogo tão sistemático como é o currículo escolar, no qual toda a causa provocada encontra um efeito muito bem moldado às expectativas curriculares.

E.C. – O que você pretende passar para os leitores através das reflexões expressas no livro?

Maisa AntunesEu tento abrir, como espectadora, um campo de reflexão sobre a Arte e a Educação. Para isso conto com o arte-educador Duarte Júnior, um crítico da educação conservadora, um sonhador que acredita na possibilidade de uma educação do sensível, pautada em fundamentos estéticos e conto também com o artista e filotógrafo (filósofo-fotógrafo) Marcos Cesário, poeta das imagens e das palavras, que vem afirmar e nos mostrar que Arte é Arte e Educação é Educação. São olhares diferentes e, às vezes, complementares.

E.C.- Como foi estar diante de entrevistados que se posicionam contrariamente a respeito de um mesmo tema?

Maisa Antunes Uma experiência rica e ímpar.

E.C. – Então, o que podemos esperar do livro A arte e a educação é...

Maisa AntunesProvocar o que precede o pensamento, os sentimentos. Estou pronta para elucidar meus próprios e aprendidos equívocos quanto ao uso da Arte para um determinado fim curricular. O livro é uma prova disso.     

E.C. – E para você, diante de tudo o que foi exposto, Educação e Arte são áreas complementares ou totalmente opostas?

Maisa AntunesSão duas áreas diferentes e independes. Uma não depende da outra. A Educação tem utilidade, tem um fim. O fim da Arte é a própria Arte. Não sei se, na linguagem, o termo seria oposição, mas mesmo considerando o fato de serem opostas não desconsidero a possibilidade de uma ajudar a outra, de acontecer experiências de complementaridade, não como condição de ser. Nesse momento, o que não dá mais para aceitar é enquadrar a Arte na perspectiva da previsibilidade que tanto se vale a Educação. A Arte não é algo previsível, educada. Como pode educar? A convivência com diversos criadores levou-me a acreditar que a imprevisibilidade é o material mais caro à Arte.
O que defendo hoje, não é a retirada da Arte das escolas, ao contrário, ela deve estar presente na escola. Nós professores precisamos buscar o caminho para sermos comunicadores de beleza. O que é ser comunicador de beleza? É encantar, compartilhar a poesia expressa nas diferentes formas artísticas, possibilitar, sem cobrança, uma contemplação estética e, com sorte, provocar nos raros e talentosos um encontro com sua vocação.